Por:alphatradu
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mar 2019
Sistemas de tradução instantânea começam a se popularizar em reuniões de negócios e ONGs, mas ainda estão longe de substituir os humanos.
Diariamente, 42.500 pessoas se veem obrigadas a fugir de seus lares. Mas a barreira idiomática entre refugiados e ONGs pode estar prestes a desaparecer: as organizações Open Learning Exchange e Movement on the Ground acabam de receber mais de 200 aparelhos Travis the Translator, que traduz em tempo real conversas em 80 idiomas. A proliferação de sistemas de tradução instantânea no mercado pode ajudar em situações como a crise dos refugiados. Mas também abre um debate: será uma alternativa ao aprendizado de idiomas? Obrigará algumas profissões a serem reconsideradas?
O vice-diretor de Inovação, Tecnologias e Equipamento da Faculdade de Filologia da Universidade Complutense de Madri, Jorge Arús, defende que a funcionalidade desses dispositivos é proporcionar segurança ao falante: “Servem para tirar o medo de colocar em prática um idioma em outro país”. O funcionamento dos equipamentos de tradução instantânea como Pilot e Google Pixel Buds é muito simples: duas pessoas que falam em idiomas diferentes usam fones de ouvido que vertem seu diálogo quase imediatamente.
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Algumas multinacionais já solicitaram informações sobre os aparelhos de tradução instantânea. “Companhias internacionais como a Ikea mostraram interesse pelo nosso produto, pois consideram que poderia ajudar seus funcionários em reuniões internacionais e viagens de negócios”, dizem fontes da empresa criadora do Travis the Translator. O Google informa que já vendeu os Google Pixel Buds para uso em reuniões de negócios, principalmente a clientes da Europa e do Sudeste Asiático.
O preço dos aparelhos está em torno dos 780 reais, razão pela qual há quem opte por aplicativos de celular mais econômicos, que tentam desempenhar a mesma tarefa, como Speak & Translate, iTranslate e Skype Translator.
Os fabricantes desses sistemas defendem, acima de tudo, sua utilidade em viagens esporádicas. Por exemplo, para poder perguntar à população local sobre lugares e restaurantes. “Se você for fazer uma viagem curta, passaria meses aprendendo um idioma que utilizará por uma semana? A maioria das pessoas não tem tempo para isso”, dizem os fabricantes do sistema de tradução ili Wearable Translator.
Para Sonia Prats, coordenadora pedagógica do serviço de línguas da Universidade Autônoma de Barcelona, “a língua é muito mais que a transferência de uma ideia concreta”. Embora admita que esses aparelhos poderiam ser úteis para quem viaja esporadicamente, ela considera impossível que venham a substituir “a necessidade real de comunicação do ser humano”. Arús não acredita, tampouco, que os sistemas de tradução instantânea tornem obsoleto o aprendizado das línguas estrangeiras, pelo contrário. “Pode ser que as pessoas aprendam mais ao terem uma superexposição ao idioma através desse aparelho.”
Os dispositivos de tradução instantânea ainda apresentam erros de falta de contexto ou na hora de traduzir expressões idiomáticas
Mas as novas tecnologias avançam a um ritmo vertiginoso. “Estamos numa era de explosão da inteligência artificial”, aponta Juan Salvador Castejón, membro do conselho do Colégio de Engenheiros de Informática. Esse especialista em sistemas de reconhecimento vocal afirma que “evoluiu-se mais rápido no último ano que nos cinco anteriores”. Na mesma linha, o presidente da sociedade espanhola para o processamento da linguagem natural, Alfonso Ureña, argumenta ser apenas “questão de tempo” até que os sistemas de tradução alcancem a perfeição. Para ele, o reconhecimento de voz já está muito avançado, mas a tecnologia da linguagem ainda não está à altura de um humano. Os dispositivos ainda cometem erros de falta de contexto ou para traduzir expressões idiomáticas. Por exemplo, a expressão espanhola “feliz puente” (“bom feriadão”) é passada literalmente ao português no Google Translate como “ponte feliz”.
Mas se as melhoras dos sistemas de tradução instantânea continuarem no atual ritmo, algumas profissões sofrerão grandes mudanças. Salvador vaticina, por exemplo, que os intérpretes do Parlamento Europeu serão substituídos por esses aparelhos. Uma ameaça que a vice-presidenta da Associação de Tradutores Audiovisuais da Espanha, Eugenia Arrés, minimiza. Essa especialista recorda que os dispositivos dependem da inteligência artificial, e afirma que sua aplicação no campo da tradução, hoje em dia, ainda “está nas fraldas”. “O Google Translate tem a capacidade de compreensão de uma criança de seis anos. Não vejo esses aparelhos funcionando em interpretação nas empresas, pela mesma razão pela qual não enviamos um texto traduzido pelo Google Translate sem edição”, explica.
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Essa tradutora e intérprete autônoma se preocupa com a confidencialidade das traduções: pergunta-se até que ponto a empresa que fabrica os sistemas de tradução tem direitos sobre qualquer gravação e a liberdade para fazer o que quiser com elas. “Nós [tradutores humanos] assinamos acordos de confidencialidade e, hoje em dia, não acredito que os aparelhos se choquem com nosso trabalho”, argumenta. Ainda assim, Arrés reconhece que é provável que a tarefa dos intérpretes mude, assim como já está mudando a dos tradutores de texto, que cada vez mais desempenham um trabalho de revisores. O engenheiro informático Juan Salvador Castejón considera que a melhor saída para esse tipo de profissional é participar da construção dos dispositivos de tradução instantânea.
“Só sobreviverão os empregos em que uma pessoa gere um valor agregado, seja porque precisam tomar decisões ou interpretar algo que se afaste de um trabalho mecânico”, aponta Salvador. A dubladora María Jesús Nieto está convencida de que o seu caso é uma dessas exceções. “Nos filmes, não se traduz ao pé da letra, e sim as emoções”, diz. Além disso, insiste na diferença entre a interpretação simultânea, que poderia ser feita nesses aparelhos em que a fala chega com alguns segundos de atraso, e a sincrônica, em que o que se ouve encaixa com os movimentos labiais do ator. O mesmo ocorre no caso dos guias turísticos. Almudena Cencerrado, presidenta da Confederação de Guias da Espanha, diz que com os fones de ouvido se perderia qualidade na visita: “É impossível que ele traduza a terminologia ou as experiências pessoais sem perder a qualidade humana”.
Retirado do site: EL País